Novembro é o mês da consciência negra. O texto de Sílvio Ferreira Leite faz uma homenagem ao povo que deu origem a todas as civilizações...
Sílvio
Ferreira Leite
Jornalista
e escritor
Pela inovação instrumental de
atabaques, agogôs, cuícas, tambores e seus pulsares, a música saiu do cérebro e
chegou ao coração. O ritmo cardíaco do batuque, do maxixe, do maracatu, desceu
em seguida para a região da cintura em movimentos de pura sensualidade. Foi
para os pés e envolveu todo o corpo em diferentes danças. Passou a influenciar
várias culturas. Ganhou as cores da televisão e se reproduziu em escala
oceânica.
Os jovens dançam sua liberdade com os
olhos voltados para o palco onde se agitam os superstars. Devem saber que o modelo adotado por seus ídolos vem da
primeira geração do rock. Lá estão músicos consistentes, negros que foram capazes
de extrair do som as sementes de transformações profundas na sociedade
contemporânea.
Hoje, muitos ritmos africanos
percorrem o cenário da música, mas no plano universal o jazz permanece como o
produto mais significativo da interação musical entre as culturas africana e
europeia. Um fenômeno com identidade íntima, com individualidade própria.
Em diversas áreas a cultura africana
foi transformada, recriada, combinada. Muitas vezes transcendeu os limites do
grupo negro de origem, incorporando-se à cultura dominante.
Na arte da cerâmica nota-se uma
perfeição antiga, atestada por exemplares criados ainda na África negra. Nas
artes plásticas observa-se uma presença de mestre nas obras de talha e douração
das igrejas barrocas desde a segunda metade do século XVI.
Nas manifestações mágico-religiosas de
cultos, como o candomblé, houve o enriquecimento de uma velha concepção de
mundo. A visão sobrenatural tornada acessível pelo pensamento mítico. A força
do negro enriqueceu o folclore. Festas populares ganharam mais estrutura
dramática.
A culinária acompanhou todos os passos
da feliz invasão. Temperos e sabores em pratos deliciosos. Caldos, manjares e
carnes. Canjicas e farinhas. Bolinhos e outras frituras.
Não há que se preocupar com a pele.
Ela é negra e bonita, lisa, consistente, porque a carne é forte. Provocante e
forte. Quente e forte. Forte na luta pela vida, pela igualdade. E na outra luta
que é jogo, que é ginga, a capoeira. E em todos os esportes, nos quais o negro
chega primeiro. E na literatura, que descreve a opressão. E no cinema, que
perpertua inevitáveis paixões. E na pintura, que retrata a plástica sedutora.
Todas as artes rendem homenagens ao
negro. Por seu talento, sensualidade, magia. Por sua beleza e sua força vital.
O artista passou a influenciar a arte. O artista como modelo. Criador e
criatura na obra completa.
Existe um continente de origem, a
África. Para lá convergem certas saudades. Naquele solo repousa a
ancestralidade da civilização. Arqueólogos comprovam. Talvez isso explique o
amor e o ódio de quem aceita o passado remoto e de quem rejeita as bases da
própria raiz. Duas forças a mais na geração de uma energia orgânica que varre a
indiferença.
Algo incomoda, envolve, intriga,
conquista. E esse revolver de emoções ressalta o inexplicável que a razão
pretende aprisionar no simples mistério da cor. A profundidade, no entanto, se
faz sentir. O artista apreende, elabora e expõe. Quadros, fotos, canções,
livros, esculturas, filmes, coreografias e peças teatrais nascidos da fonte que
pode ser resumida numa única palavra: inspiração.
Monumento da Renascença Africana, no Senegal, com 49 metros de altura. |
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